Missão e Opção

No livro “Fonte Viva”, editado pela FEB, da autoria espiritual de Emmanuel através do médium Chico Xavier, lição 72, encontramos estas palavras: Há méritos celestiais naquele que desce ao pântano sem contaminar-se, na tarefa de salvação e reajustamento.

Estas palavras, naturalmente, nos encaminham, por associação de ideias, à Questão 178 de “O Livro dos Espíritos”, onde encontramos, na realidade, um pensamento coincidente, embora através de outras palavras. Diz a questão que pode haver reencarnação em mundos inferiores à categoria de certos Espíritos, quando estes estão em missão. Nem sempre, portanto, é prova. O Espírito em missão, como ensina a Doutrina, pode descer ao pântano, muitas vezes, a fim de auxiliar o progresso de uma criatura, de um grupo ou de uma coletividade inteira. Vão aos escombros do pântano moral, mas não se contaminam, no dizer de Emmanuel. Missão difícil, delicadíssima, por causa dos arrastamentos, mas missão nobre.

Quando o médico, no cumprimento de sua missão, entra em ambientes pestilentos, sabendo que há doenças contagiosas, naturalmente já sabe de que recursos precisa para a imunização. O Espírito que reencarna com a missão de trabalhar em ambientes corrompidos moralmente tem necessidade de recursos imunológicos, mas de outra natureza: a vigilância, a prece, o esforço constante para não se deixar contagiar. É missão e experiência ao mesmo tempo. Ensina a Doutrina, ainda mais, que o Espírito, antes de sua volta à Terra, escolhe o gênero de vida (Questão 258 do livro citado), desde que já esteja em condições de fazer opções, pois há Espíritos tão atrasados que nem sequer têm o discernimento necessário para uma escolha.

Muitos Espíritos, portanto, dentro de sua faixa de livre-arbítrio, embora relativo, preferem certas missões penosas. E uma delas, não há dúvida, é ter que conviver com pessoas de condição espiritual inferior, suportando o desafio de costumes desregrados, convivendo até com a depravação, mas precisam trabalhar em tais ambientes, auxiliando o progresso dos elementos decaídos. Pelos próprios planos de trabalho no processo reencarnatório, há Espíritos que, uma vez reencarnados, são distribuídos naturalmente para determinados campos de ação. E por lá permanecem muito tempo. É a missão escolhida ainda no plano espiritual, segundo o ensino da Doutrina. Nem todos, porém, aguentam a experiência e, por isso, desertam, ou saem contaminados.

Há um determinismo nessa experiência, inegavelmente, pois o Espírito está condicionado às consequências da missão preferida. Até certo ponto, naturalmente, a missão escolhida condiciona o Espírito, pretendendo-o ao meio como se fosse uma situação fatal. Mas não podemos esquecer que houve, antes, a escolha do próprio Espírito, que traçou esse tipo de vida. Ora, se houve escolha, evidentemente o Espírito usou de seu livre-arbítrio. Logo, os dois termos (fatalismo e livre-arbítrio) não podem ser tomados em sentido absoluto.

Não podemos interpretar o ensino ao pé-da-letra, querendo entrar em pormenores que não podemos prever. O fato circunstancial pode influir muito no tempo e no espaço. Todavia, o certo é que, na vida prática, são inúmeros os casos de pessoas que, tendo capacidade e condições para viver em ambientes melhores, ficam muito tempo em regiões atrasadas, ensinando e educando a duras penas, como se diz comumente. Não será o caso de Espíritos em missão? Quantas e quantas pessoas há, por este mundo, que deixam a vida de comodidades nos grandes centros urbanos e, com surpresa para muita gente, se embrenham em recantos obscuros, infiltrando-se entre populações de nível muito baixo, intelectualmente, a fim de fazerem alguma coisa, por meio de iniciativas benéficas no campo da educação, da higiene, etc.? Não estará essas criaturas em missão?

E quantos outros se dedicam ao trabalho de espiritualização, enfrentando todas as resistências e até zombarias, mas terminam deixando semente. Pode parecer à primeira vista um procedimento estranho ou esquisito, no entender de muita gente. Mas verdade é que os missionários se sentem felizes, quando se realizam no gênero de vida a que se dedicam. Claro que não será necessário chegar ao exagero ou sair dos padrões de naturalidade, uma vez que o missionário autêntico, o que tem realmente missão espiritual, não precisa de apresentações exóticas nem tampouco viver em furnas, como se fosse o homem das cavernas. Enfim, há muito o que pensar e observar em relações às lições da Doutrina e à oportuna advertência de Emmanuel.

AMORIM, D. Análises Espíritas. Ed. FEB, 1ª ed. Rio de Janeiro, 1993.

Biografia de Deolindo Amorim

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